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Fantastic Entrevista | Joana Saahirah (Parte I)


Nesta edição do Fantastic Entrevista estamos à conversa com Joana Saahirah, uma portuguesa que partiu para o Egipto para seguir o seu sonho. Antes disso, estudou teatro, praticou bailado clássico, mas percebeu que a Dança Oriental era a sua linguagem. Atualmente, é um dos nomes mais bem sucedidos e respeitados do circuito da Dança Oriental.

Como surgiu a paixão pela dança e, consequentemente, pela Dança Oriental?

A dança já vem de nascença. Antes de ter começado a estudar Ballet Clássico, aos cinco anos, já apresentava “espectáculos” em casa e no infantário. Os meus pais avisavam os amigos, sempre que iam lá a casa, que teriam direito a uma actuação (macacada apresentada com convicção) gratuita.

O teatro, a dança, o canto e a comunicação directa com o público entrecruzavam-se nessas performances espontâneos que vinham de dentro, de uma vontade primordial, até compulsiva, de ser compreendida e unida aos outros através da expressão artística. Fora do palco, era uma menina extremamente tímida, com um mundo interior borbulhante (ainda sou).

A Dança Oriental, ou Egípcia (Raks Sharki é o nome correcto, em Árabe) surgiu inesperadamente, sem que algo o indicasse, num festival chamado “Andanças” organizado no norte de Portugal. Estava lá com amigos do Conservatório (sou formada como Actriz pela Escola Superior de Teatro e Cinema), de férias, e participei, numa animação nocturna dinamizada pela professora e bailarina Prisca Diedrich. Essa noite, e o reencontro que proporcionou, mudou a minha vida.

Entrei na roda, escutei a música e improvisei, certa de que já conhecia aquela linguagem, extasiada pelo reencontro com a minha Alma.

A partir daí, foi sempre a abrir! Comecei a procurar informação sobre a Dança Egípcia e encontrei-a nalguns livros que estavam disponíveis e em workshops com o Mestre Shokry Mohamed que vinha, de vez em quando a Portugal.
Comecei a viajar para estudar, primeiro em Espanha, onde estudei Representação (Real Escuela de Arte Dramatico de Madrid) e, logo depois, no Egipto. Nunca mais parei.

Costumo dizer que não escolhi a Dança Oriental – foi ela que me escolheu. Estava tudo orientado para que me tornasse Actriz mas o Egipto chamou-me e eu segui o Chamamento. O resto é História.



Tens formação em dança e em teatro. No que é que essa formação contribuiu para a tua actividade como bailarina de dança oriental?

Para mim, as várias formas de expressão artística estão interligadas. Não existe uma separação entre a literatura e a dança ou entre a dança e a vida a que chamamos real.

Existe Pintura na Dança Oriental (já tenho levados alunas a Museus, especialmente o Museu Picasso em Málaga, Espanha, para aprenderem sobre técnica de Dança Egípcia); existe Dança Oriental na Dança Moderna; existe Cinema, Representação, Música e vida real na Dança Oriental; existe Dança Oriental na Arquitectura e geometria na Literatura. Por aí adiante. As ligações são múltiplas, tão profundas e expansivas quanto a mente que as concebe.

A formação como Actriz, em particular, tem servido para tudo: desde saber interpretar uma música, com uma história e ambiente específicos, até salvar-me a pele, literalmente, no Egipto. A Representação ensinou-me a saber ler o que está fora de mim e a trazê-lo para mim, seja esse Outro uma história, uma música, uma personagem, produto da minha imaginação.

Também me ajudou a sair da casca – repito que era, e sou, extremamente tímida e metida na minha Bolha -, a não ter medo de me lançar no desconhecido, a explorar, a fazer erros que não são senão outra forma de traduzir experimentação, algo a que todos os artistas se dedicam. Esse lado criança, de ver até onde posso ir com um movimento/momento/sentimento, vem-me da formação como Actriz.

A Representação obrigou-me a abrir o coração, expor-me emocionalmente, tornar-me vulnerável, exalar emoção e não apenas acção. E muito mais. No fundo, nunca deixei de ser actriz e tenho uma saudade incrível de interpretar um texto. Faço-o, de certa forma, através da música.

Todos os outros estilos de dança pelos quais passei – africana, latino-americana, jazz, ballet clássico e moderno, flamenco e outros – serviram como educação física; deram ao meu corpo vocabulário, condicionamento, sentido de harmonia, musicalidade, capacidade de reacção e muitas outras qualidades que se adquirem quando se começa a dançar muito jovem.

Por outro lado, a Dança Egípcia é única e exige um desformatar da maneira como nos vemos, ao nosso corpo, à música, à dança e à vida. O background de dança ajuda em muito mas, nalguns aspectos essenciais da Dança Egípcia -  como o tempo, a pausa, a musicalidade ou a linguagem energética do coração – podem ser contra-produtivos. Tive de perceber o que podia usar em meu benefício e o que teria de descartar para poder usufruir do melhor de dois mundos.



Sendo esta uma dança com raízes tradicionais e tendo tu trabalhado no Egipto com alguns dos maiores nomes da área, que tipo de formação consideras que um/a bailarino/a desta dança deve ter? E consideras indispensável visitar países árabes?

Ui, ui. É muito difícil responder com justiça a estas perguntas de forma breve.
Eu senti a necessidade de ir para o Egipto e aí resgatar a essência da dança, primeiro como estudante e, logo depois, como bailarina com carreira estabelecida, uma orquestra e espectáculos diários sob a minha alçada.

No entanto, não é algo que aconselhe a toda a gente.

Ir ao Egipto como estudante, sim. Sempre. Incondicionalmente. Penso que todos os amantes da dança egípcia deveriam ir, pelo menos uma vez na vida, ao Egipto e aí sentir a cultura, os cheiros, o modo de vida e o seu ritmo – essa experiência directa, pele na pele e cara a cara, com o solo egípcio é essencial. Mas ir para o Egipto, para construir carreira e lá viver durante anos é uma experiência “hardcore” que não aconselho. Nesse sentido, o Egipto pode destruir a pessoa e o amor que ela tem, ou tinha, à dança. Os choques de valores, mentalidade, leis e outros são quase insuportáveis; o mercado é pequeníssimo, altamente competitivo, corrompido até à medula, muito difícil de se deixar navegar sem que a pessoa venda a alma ao diabo.

Eu consegui-o, à custa de talento, muito trabalho, perseverança, coragem, loucura, obsessão e feito (mais uns perlimpimpins) mas também à custa de alguma sanidade mental, que quase perdi em várias ocasiões, exaustão, tempo de vida com os que amo (família e amigos que estavam longe). Não é para todos!

Tenho viajado pelo mundo todo, nestes últimos anos, a ensinar, actuar e dar conferências e apercebo-me que existe um imaginário associado à vida de uma bailarina no Egipto que pouco, ou nada, tem a ver com a realidade que eu conheci, por dentro e por fora, durante quase uma década da minha vida.
O que aconselho aos alunos que me perguntam sobre este assunto é que vão, como estudantes, o mais que puderem mas que também não percam a oportunidade de aprender com os Mestres fantásticos que estão espalhados pelo mundo, não no Egipto; que tirem proveito dos cursos online com pessoas que sabem, de facto, o que estão a fazer; que investiguem, leiam, procurem a informação. Quem procura, encontra. E, hoje em dia, existe muita informação valiosa disponível na internet. Apesar do caos instalado, da ignorância e das fraudes vendidas como estrelas, existe uma enorme quantidade de material válido que não existia há 18 anos atrás, quando eu comecei a estudar Dança Egípcia.

Acima de tudo, aconselho que cada um procure a Essência da Dança Egípcia, não as modas, e que se abra à experiência que esta arte nos convida a viver: voltar a entrar em contacto com a nossa alma e criarmos – movimento, o que seja – a partir dessa alma.



O que é que consideras essencial num bom bailarino de Dança Oriental?
Outra pergunta difícil de responder de forma breve!

Existem muitas qualidades e qualificações em jogo, começando pela base que é uma boa formação recebida das mãos de professores que conheçam o ofício. Isto pode parecer básico, e bastante comum, mas não é.

A maioria dos ditos “profissionais” desta área são pessoas bem intencionadas mas que pouco conhecem de Dança Egípcia, da música, história, cultura e sociologia a ela associada. São raros, aqueles a quem se pode chamar Mestres de Dança Egípcia.

Além dessa formação base com mestres credíveis, em tudo o que concerne a Dança Oriental e o Folclore Egípcio, um bom bailarino, ou bailarina, tem de ser talentoso/a. O talento não se ensina, nem se aprende. Ou se nasce com ele, ou não se nasce.

Posso treinar uma pessoa para se mover com maior qualidade, dentro do que é o vocabulário da Dança Egípcia; posso até ensiná-la a escutar melhor, a interpretar, a integrar uma série de mais-valias que se desenvolvem com a aprendizagem desta dança. Não posso dar talento a quem não o tem. Todos somos criativos, e únicos, e nesse sentido podemos evoluir até certo patamar. Mas o talento é outra coisa, possui outro brilho, um nível distinto, difícil de definir por palavras.

Outro elemento importante é a auto-confiança associada à humildade. Sem os dois lados da moeda, não nos expandimos.

Junto sensibilidade, musicalidade, carisma, capacidade de se expor emocionalmente, capacidade de comunicação com o Outro e uma ética de trabalho impecável, quase militar. Existe um lado da formação, e expansão, de uma bom/boa bailarino/a que ninguém vê, ainda que seja essencial. A auto-disciplina para se manter em forma, trabalhar, buscar, não se deixar ficar na zona de conforto, querer ir mais além, lidar com toda a gente de forma educada, honesta e generosa – tudo isso é essencial e, quase sempre, invisível.

Ninguém nos bate à porta a sugerir, ou exigir, que trabalhemos no nosso ofício. Somo nós quem tem de ir, desarrumar, fazer, tentar, falhar, concretizar, decidir focar-nos no agora, com humildade e auto-exigência, sempre com a noção de que somos julgados pelo que fazemos neste momento, não pelo que já conquistámos.

Refiro uma última qualidade (há outras que não vou mencionar): o amor.
Pode ter-se talento, formação, carisma, humildade e auto-confiança e mais uma série de qualidades que não referi. No entanto, nada disso vai brilhar se a pessoa não amar - de corpo, coração e alma - a Dança. E isso, tal como o talento, já nasce com a pessoa.

Quem são as tuas maiores influências em termos artísticos?
Sendo uma pessoa eclética, que se move em várias expressões artísticas, as minhas influências são múltiplas. Posso partilhar apenas uma pequena amostra, deixando de fora imensa gente fantástica que me inspira e orienta diariamente, começando por Pablo Picasso, o amor da minha vida em termos criativos.

Isadora Duncan, a Mãe da Dança Moderna, é outra grande referência na minha vida criativa.

Na Dança Egípcia, os meus Mestres mais queridos: Prisca Diedrich, Shokry Mohamed, Mahmoud Reda, Souhair Zaki, Nagwa Fouad, Mona el Said, Azza Sherif; a Lucy, bailarina egípcia com quem partilhei músicos enquanto actuava no Egipto, e a qual vi dançar inúmeras vezes.

Marina Abramovic, Maya Angelou, Oprah, Jane Austen, Johan Sebastian Bach, Caravaggio, Billie Holiday, Om Kolthom e Amália. Eça de Queiroz, autor do melhor livro que alguma vez li sobre o Egipto (Notas sobre o Egipto), Dulce Pontes, Alessandra Ferri, Mohamed Abdel Wahab, Abdel Halim Hafez, Nawal el Saadawi, Naguib Mahfouz. A lista continua.

Tradicionalmente, a dança oriental era improvisada. Consideras a coreografia algo benéfico para a dança, prejudicial ou um sinal da evolução dos tempos?

A improvisação é o estado natural da Dança Egípcia; é assim que as mulheres Egípcias, e Árabes, continuam a praticá-la em suas casas, nos casamentos, nas ocasiões familiares e/ou sociais onde a Dança Oriental está presente.

No entanto, houve uma ruptura, operada por Badia Masabni, a quem chamo a Mãe da Dança Egípcia Moderna, que marcou a transição de uma dança puramente improvisada para a coreografia a solo e em grupo. Ganharam-se e perderam-se coisas nesta transição.

Mahmoud Reda, o Pai do Folclore Egípcio e Criador da Reda Troupe, o meu melhor amigo, apoiante, professor e colaborador (trabalhei como sua assistente de coreografia e ensino durante 8 anos, o tempo em que estive a actuar no Egipto), comentava comigo, frequentemente, que as grandes bailarinas egípcias não conseguiam aprender, e muito menos memorizar, uma coreografia. Excepção feita a Naima Akef, com quem o Mahmoud trabalhou, que não era (curiosamente) bailarina mas artista de circo.

-Elas não conseguem juntar dois passos que sejam coreografados. Só conseguem improvisar. – Dizia-me, desgostoso.

De dia, eu trabalhava com ele, em coreografias que ensinaríamos ou gravaríamos, no estúdio que ele tinha na baixa do Cairo, na Rua Qasr el Nile.
À noite, actuava com a minha orquestra, improvisando vários espectáculos seguidos, cada um com a duração de 1 hora ou mais. O choque entre os dois mundos era enorme e a vários níveis. Mas foi nesse choque, gradualmente transformado em complementaridade, que eu fui crescendo.

Foi o Mahmoud quem me “empurrou” para coreografar as minhas peças, independentemente de as usar no meu trabalho ou não.

Eu apenas aprendia, e ensinava, as coreografias dele mas nunca me passava pela cabeça coreografar as minhas, excepto quando tinha bailarinos em cena, ao meu lado. Foi ele quem insistiu e semeou o bichinho da coreografia em mim, algo que tinha posto de lado depois de muitos anos a memorizar coreografias de ballet clássico.
Para mim, como para a bailarina egípcia comum, coreografar é matar o momento, a espontaneidade, a magia que só se consegue quando nos abrimos ao momento presente e com ele criamos sem saber como a aventura se vai desenvolver. Com o tempo, e a prática, comecei a perceber que coreografar era um complemento essencial à improvisação; melhorava a minha capacidade de improvisar.

-Se começares a coreografar consistentemente, vais tornar-te uma improvisadora mais interessante e completa. – O Mahmoud afirmava, ciente de que este argumento me convenceria.

Hoje em dia, salto da improvisação para a coreografia, e vice-versa, o tempo todo. Coreografo peças completas para todos os cursos que dou pelo mundo fora, para cada aluno das minhas aulas privadas online, e mais recentemente, para a minha escola online.

As duas formas de abordar a música interligam-se de forma orgânica embora cada uma desenvolva aptidões distintas. Nas minhas formações em festivais internacionais, como nas aulas privadas online ou na minha escola - Joana Saahirah´s Online Dance School -, eu uso as duas linguagens e estimulo os alunos a fazerem o mesmo: metade da prática, improvisação; a outra metade, coreografia. Metade, sem espelho; a outra metade, com espelho. Metade, estruturada, consciente, organizada; a outra metade, livre, inconsciente, caótica (aberta a todas as possibilidades que a intuição abre). Digamos que a coreografia pede que usemos o cérebro, mais do que o coração; a improvisação é puro coração. Uma boa comunicação entre os dois lados torna-nos comunicadores muito mais interessantes e eficientes.

A combinação dos dois lados, o consciente e o inconsciente, a estrutura e o conteúdo, é a uma das base do meu método de ensino.

Embora continue a preferir improvisação – todas as minhas actuações são 100% improvisadas -, sei que o trabalho coreográfico me torna, de facto, uma melhor bailarina e professora. Além disso, é uma aptidão essencial para todos os profissionais desta área a um nível elevado.

Um/a professor/a que não saiba coreografar e ensinar o que coreografa, no mercado internacional, está completamente anulado. Somos julgados como improvisadores, coreógrafos, comunicadores que saibam explicar técnica, cultura, musicalidade e muitos outros pontos relativos à Dança Egípcia e ainda “Life Coaches” que consigam incentivar as pessoas.

Os alunos esperam o pacote completo.

Eu adiciono a escrita – “The Secrets of Egypt – Dance, Life & Beyond” é o meu primeiro livro publicado - e a gravação de vídeos inspiradores/de formação à receita. Gosto da variedade, dos múltiplos desafios e veículos de comunicação. As mais-valias, em áreas distintas, que o mercado internacional exige estimulam-me.



Nos teus vídeos, abordas algumas vezes a ideia de que muitos dos bailarinos que vês actualmente são artistas que imitam outros, os chamados “copycats”. Consideras que essa é uma tendência na Dança Oriental actualmente? Qual é a tua opinião sobre o panorama da dança oriental nos dias que correm?

A cópia, os seguidores e as máfias associadas a essas realidades ocupam um espaço relevante nos meus vídeos.

Vivemos num mundo rápido que deseja respostas, ou fórmulas, rápidas, universais e infalíveis. Mas a verdade é que a Dança Egípcia traz “outro” mundo, uma proposta diferente que não passa por fórmulas universais, cópias ou seguidores. A Dança Egípcia, como eu a aprendi no terreno, remexendo na lama, literalmente, propõe auto-descoberta, individualidade, expressão da nossa originalidade, uma abordagem pessoal e intransmissível; o exalar, honesto e vulnerável, da nossa alma.

O conflito entre a proposta que a dança traz e aquilo que observo, sempre que vou a um país ensinar, actuar e julgar numa competição, é visível e, para mim, frustrante.

Quem estuda, ou estudou, comigo sabe que existe uma fronteira entre aquilo em que devo interferir e aquilo em que não devo. Posso ensinar técnica, música, estilos, contextos culturais, etc. Tenho plena consciência da enorme bagagem de informação e experiência que posso partilhar com os alunos. Mas também sei, precisamente porque conheço o meu ofício, que existe 50% da dança que é a PESSOA. Não é o que eu lhe ensino mas aquilo que ela, e mais ninguém, pode descobrir e expressar através da dança.

Esse processo de auto-descoberta e expressão do Ser acarreta responsabilidade, riscos e trabalho contínuo – não é toda a gente que está para aí virada. Copiar alguém que saiba, e ficar-se por aí, é um comprimido de efeito rápido, ainda que vazio, que nos poupa de muitos desafios.

Poupa-nos trabalho, o risco de nos expormos e não sermos apreciados, a irresponsabilidade: “isto é a minha professora; não sou eu”.

Existe a fase da cópia em todas as expressões artísticas. O problema é que a maioria das pessoas fica presa nessa fase, sem avançar para a criação da sua identidade, identidade que estará, sem dúvida, em constante mutação/crise/redefinição. Embora eu ensine Individualidade, Empoderamento e Criatividade nas minhas formações, sei que o mercado mais vasto, comercial e de baixo nível artístico, pede outra coisa:

- Dá-me a pílula dourada.

Eu não dou, não porque não a possa forjar. Posso. Mas porque não seria honesto.

Os professores que estimulam essa tendência generalizada para a cópia – a pílula dourada – fazem-no, creio, por diversas razões:

1.      Alguns foram treinados assim. Também eles são cópias de alguém e não sabem ensinar de outra forma.
2.      Outros são originais - no sentido em que criaram a sua identidade, independentemente do interesse que essa identidade possa ter e da fidelidade, ou infidelidade, à essência da Dança Egípcia – mas servem o seu ego, não a arte. Estimulam a cópia, e os seguidores, porque sabem que eles funcionam como instrumento de marketing gratuito. Na verdade, o instrumento de marketing paga-lhes, não são eles que pagam ao instrumento de marketing. Acho-o abominável e totalmente fora do que a Dança Egípcia propõe.
3.      Existem ainda os professores que têm consciência de que devem educar os alunos para a descoberta da sua identidade mas não sabem como fazê-lo. Que dizer, fazer? Que exercícios usar? Como orientá-los pela estrada, frequentemente tortuosa, da auto-descoberta? A pedagogia para chegar aos resultados não vem, automaticamente, incluída no/a pacote do bailarino/a. Dançar e ensinar, bem como coreografar e improvisar, requerem talentos e aptidões distintos. Nem sempre um bom bailarino é um bom professor. E vice-versa.

Apesar da moda corrente, na qual a cópia, a superficialidade, batalha de egos e a competição imperam, eu sinto-me optimista. O pessimismo não é opção simplesmente porque não nos leva a lado algum. O optimismo indica caminhos, propostas alternativas, lembra-nos que podemos fazer alguma coisa, o que estiver ao nosso alcance. Agora.

A Dança Egípcia propõe uma reeducação do Ser. Apesar do panorama actual, existem cada vez mais pessoas interessadas na Jornada da Alma. É nessas que me concentro: são elas o meu público. Todos são convidados a apanhar o comboio mas nem todos estão preparados para tal. Respeito os tempos e níveis de evolução de toda a gente, como respeito os meus.

Apesar da involução da dança, a vários níveis, também existe evolução.

Hoje em dia, há escolas e festivais com todo o tipo de professores, pelo mundo inteiro. Existem vídeos, livros, formas de aprender que não existiam há 10 anos atrás.
Os ocidentais destroem, ou simplesmente ignoram, a essência da dança egípcia mas também lhe adicionam coisas positivas: estrutura, pedagogia, respeito, a perspectiva da dança como assunto académico, aspectos de que os egípcios comuns se riem porque, ainda hoje, não consideram a sua dança como arte. A Dança Egípcia profissional, no Egipto, está sob a alçada do Ministério do Turismo, não da Cultura. Apercebi-me disto quando tratava da minha legalização, como bailarina profissional, no Cairo. Este detalhe diz muito a quem o saiba interpretar.

Muito se destrói e muito se constrói, simultaneamente. Não há evolução sem perdas, erros, equívocos, ilusões, períodos de caos e escuridão. A história do mundo mostra-nos isso – basta observarmos o que está para trás. As coisas repetem-se; a existência humana é cíclica.

Concentro-me em cada viagem de trabalho, cada aula – seja para uma pessoa, dez ou seiscentas -, cada actuação, cada vídeo, cada texto escrito. Concentro-me no MEU trabalho, aqui e agora.
E, apesar de ser o que muitos consideram uma “rebelde”, alguém que vai contra-corrente, o meu trabalho é internacionalmente amado. O resto são pormenores que não me tiram o sono. Há muito a fazer – é nisso que me concentro com a integridade que me é inerente.

Além disso, as modas vão e vêm. A Essência fica. 

Fim da primeira parte
Leia a segunda parte clicando aqui

Convidada: Joana Saahirah | Entrevista: Rita Pereira
Julho de 2017