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Duplo Clique | "Globos de trazer por casa"

 

Os globos são de ouro, mas a SIC não lhes dá lustro. No passado domingo, o Coliseu dos Recreios, em Lisboa, recebeu a XIX edição dos Globos de Ouro, a cerimónia que anualmente premeia a nata da Cultura portuguesa reconhecendo 16 artistas e trabalhos do ano anterior em diversas categorias. A cerimónia é de louvar, mas desde que a estação comprou a exclusividade dos “óscares à portuguesa”, os Globos de Ouro tornaram-se um certame televisivo pouco marcante e sem gosto. E para o ano há mais.

Verdade seja dita, a passadeira vermelha da constelação da SIC em quase nada difere das restantes carpetes das galas de outros canais. No entanto, deixa transparecer mais superficialidade, ou é mais permeável à visão crítica de alguns espectadores – seja pela apreciação dos outfits dos famosos, as poses para os fotógrafos ou a habitual cobertura humorística externa ao evento. A página do Facebook Sensivelmente Idiota seguiu o programa de perto, arrancando mais gargalhadas que os sketches de humor mal conseguidos do espetáculo – “A fila para entrar nos Globos de Ouro tem tanto botox e silicone que, se isto tudo rebenta, gera um tsunami de banalidade”.
 
Banal mas cheia de música, a 19ª entrada dos Globos de Ouro ao estilo de Filipe La Feria conseguiu mesmo ser a melhor dos últimos anos, um curto musical protagonizado por João Baião com um corpo de baile competente e arranjos instrumentais apreciáveis. Um eco de revivalismo ecoou na sala e nas salas dos portugueses quando o apresentador dançou ao estilo de Big Show SIC, lembrando os tempos áureos dos anos 90, e as dondocas da ficção Cláudia Vieira e Diana Chaves abriram um baú de sensualidade.  De resto, foi sempre a descer, a gala tornou-se letárgica e emocionalmente estéril.

Os espectadores assíduos deste espetáculo saberão, porventura, explicar a perda de credibilidade dos prémios dos Globos de Ouro. Porque, de facto, são premiados trabalhos de elevado nível de qualidade, que pelo menos granjearam, pelo seu sucesso de vendas e reconhecimento, a preferência do público consumidor. Quanto aos prémios não há muito a dizer, destacando somente o de Mérito e Excelência dos Xutos e Pontapés e a distinção de Sara Matos como a Revelação de 2013, a mais elegante da festa. Quem mostrou deselegância ou desatenção foi a pessoa incumbida de ir receber o globo em nome de Rita Blanco. Maria João Luís teve de subir ao palco e remendar o triste episódio, agradecendo como pôde – algo em que, genericamente, os discursos falharam, exceção feita a Pedro Pires, encenador da peça vencedora “Público”, que na sua mensagem aproveitou para agradecer o espírito resiliente de todos os que fizeram Teatro em 2013 e para lançar farpas à gritante falta de apoios do Estado.

Intervalos pelo meio, idas à casa-de-banho, zapping pelos subitamente entediantes programas de talentos da concorrência… Bárbara Guimarães fez mais do que uma “perninha” e andou à luta com o microfone enquanto nele esfregava, sem se dar conta, o peito demasiado próximo. Mas esteve a anos-luz de conseguir replicar com sucesso o momento da selfie mais partilhada de sempre no Twitter. O público é unânime em querer demitir a apresentadora da condução do evento, mas a direção do canal insiste em lançá-la num novo reality-show fora de pé. E assim prosseguiu a chamada “gala do ano”, que do ano teve apenas os números, interrompida pelos momentos de comicidade frouxa e sensaborona a cargo de João Paulo Rodrigues, João Ricardo e Luciana Abreu, longe do humor certeiro de César Mourão.


De ano para ano, os Globos de Ouro têm perdido notoriedade no rol de eventos nacionais decalcados dos Óscares americanos. A indústria cultural portuguesa merece igualmente exposição e reconhecimento, no entanto, a produção da SIC não sabe organizar um evento da categoria que é exigida, transformando-o numa montra de moda e patrocínios comerciais. Por esta e outras razões, os Globos de Ouro são ricos na sua génese mas pobres no seu formato. São globos de trazer por casa.

DUPLO CLIQUE [4ª EDIÇÃO]
Uma Crónica de André Rosa